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Mário de Andrade, Moçambique e a Santa Cruz

ENRIQUE MENEZES

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Mário de Andrade, Moçambique e a Santa Cruz

ENRIQUE MENEZES

          Nos idos da década de 1840, um alemão chamado Carl Philipp von Martius advertia que quem quisesse escrever sobre a história do Brasil deveria considerar “elementos de natureza muito diversa, tendo para a formação do homem convergido de um modo particular três raças, a saber: a de cor de cobre ou americana, a branca ou caucasiana, e enfim a preta ou etiópica”. (1)      Desde então, a lista de intérpretes do Brasil que de alguma forma se referiram a essa narrativa de “formação” de um “homem” brasileiro vai longe, e poderíamos lembrar alguns desses homens: Capistrano de Abreu, Paulo Prado, Cornélio Pires, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Silvio Romero, entre tantos outros. Essa instrução também fez a cabeça de muito teórico da música brasileira, gerando uma série de interpretações, explicações e teorias da formação que se construíram sobre o famoso mito das três raças. O musicólogo Vasco Mariz coloca de maneira clara na abertura de sua História da Música no Brasil: “três raças que concorreram para a eclosão do tipo brasileiro: a branca, a negra e a vermelha”. (2)

          Também havia feito a cabeça do poeta Olavo Bilac, que cantava em versos – hoje famosos – a versão desse “mito originário” na música nacional, ecoando um choro canônico, como a “flor amorosa de três raças tristes”. (3)        O poeta canta nossa música como o encontro requebrado e impuro de “bárbara poracé”, “banzo africano” e “soluços de trova portuguesa”, resultado “cujos acordes são desejos e orfandades de selvagens, cativos e marujos”, uma “lasciva dor, beijo de três saudades”. O folclorista Luís da Câmara Cascudo também caprichou numa versão dessa narrativa: 

 

a população de portugueses, índios e negros no Brasil foi marcada pela melancolia e tristeza decorrentes do afastamento de seu lugar de origem, contribuindo sobremaneira para a formação de uma música folclórica nacional. (...) Cada um devia cantar as canções de seu país. De todas elas amalgamadas e fundidas em um só molde – a língua portuguesa, a língua do vencedor – é que se formaram nos séculos seguintes os nossos cantos populares. (4)

 

          É também como Cornélio Pires via a coisa, e em 1929 narrava em disco comercial uma versão caipira-paulista do mito para introduzir a “moda do peão” nas vozes da dupla Mariano e Caçula: 

 

Moda de viola cantada por dois genuínos caipiras paulistas. Este é o canto popular do caipira paulista em que se percebe bem a tristeza do índio escravizado, a melancolia profunda do africano no cativeiro e a saudade enorme do português, saudoso da sua pátria distante. Criado, formado nesse meio nosso caipira, a sua música é sempre dolente, é sempre melancólica, é sempre terna. Eis a moda do peão. (5)

 

          Em um texto datilografado (não assinado) que está no arquivo pessoal de Mário de Andrade, escrito em 1938 provavelmente pelo prefeito de Atibaia na época, João Batista Conti (com quem Mário trocava cartas e informações) (6)       chamado “As congadas de Atibaia”, podemos ler a resposta de um mestre congadeiro, Caetano Avelino da Silveira, o “mestre Caetano”, de 87 anos, natural de Atibaia e filho de africanos, à pergunta feita pelo prefeito sobre a origem das congadas. A resposta transcrita é outra interessante versão paulista da narrativa: 

 

Diziam os antigos, e é por conta deles porque eu não vi, que quando nasceu o menino Jesus na Terra Santa, havia treis reis: um branco, um preto e um caboclo. Os reis branco, querendo lográ o preto disserum que para ver o menino Jesus era perciso dá uma volta muito grande e ensinaram um caminho errado, pro preto ficar logrado. E assim forum os treis vê o Senhor Menino. Mais o preto pegô o caminho errado. Quando os branco chegaram na cocheira onde tava o Menino Jesuis derum com o preto já na frente do menino Jesuis, que entonces o Senhor menino pegô uma coroa, pois na cabeça do reis preto e disse: ‘Vassuncê é o dos Congos’. Foi entonces que o preto foi chamá uma porção de negros e vierum dançá na frente do Menino, daí, em diante ficô a congada. E é por isso que os reis da Congada leva a coroa na cabeça, branco num pode. (7)

 

          Mário de Andrade é mais um dos muitos homens que compraram a prazo essa narrativa – ainda hoje bastante presente – e que aparece em diversos momentos da sua criação e reflexão. Em 1928 marcava seu clássico Macunaíma, aparecendo também, no mesmo ano, no seu Ensaio sobre a música brasileira, aí com uma medida: “a ameríndia em porcentagem pequena; a africana em porcentagem bem maior; a portuguesa em porcentagem vasta”. (8)      Uma visita ao arquivo pessoal do escritor revela, em um sem-fim de pequenas anotações, que ele perseguiu durante toda a vida essa espécie de proporcionalidade de influências entre o que ele chama de três diferentes “raças”.

           Os dois textos de Mário de Andrade aqui revisitados e republicados (9)      são interessantes para se observar as maneiras pelas quais o escritor pensa a narrativa das três raças de um modo específico, a começar pelo fato de se tratar de registros feitos no interior do estado de São Paulo. O estudo das manifestações culturais paulistas segue uma pulsação de trajetos que era comum para a população paulistana. O movimento em direção a celebrações religiosas que envolviam atos dramáticos, festas, danças e outras modalidades de performance se motivava tanto pela devoção quanto pela beleza e pela convivência familiar e pública que proporcionavam. E é no que se chamavam, à época, os arredores de São Paulo, e nos territórios onde a estagnação econômica deixava à mostra as marcas da ainda recente explosão cafeeira e da mobilização da mão-de-obra escravizada, que os interessados na contribuição histórica de indígenas e africanos encontravam as paisagens que lhes pareciam mais reveladoras. (10)       Esses dois textos de Mário deixam claro que esse sentido de revelação tem, para esta geração, o sentido de uma viagem no tempo (no fim da vida o escritor lembra seus “passeios constantes ao passado paulista, Sorocaba, Parnaíba, Itú...”) (11)      – efeito então muito disseminado, e que só começa a sofrer uma crítica sistemática a partir de meados do século XX. O sentimento específico que acompanha esse modo de pensar as marcas históricas numa paisagem cuja transformação – e esquecimento – parece iminente, é esmiuçado em melancólica ironia pelo próprio Mário no texto sobre a dança de Santa Cruz, na qual ele reconhece “um rescaldo tão vivo ainda de indiada (...) chegava a assombrar”. 

           Em nossos dias, as presenças negras e indígenas em São Paulo se reivindicam, se manifestam e se fazem reconhecer como vivas e ativas (em vez de “rescaldos”), o que faz com que soe estranha a ideia de “sobrevivência” por meio da qual já se pensou essas manifestações. Hoje se reconhece o quanto é ofensivo tratar como mortas ou quase-mortas as expressões mantidas belas e ativas por tantas gerações cantantes, dançantes, louvantes e brincantes. Sempre vale lembrar que ideias frequentemente enunciadas por Mário, como a de “perda” e a de “empobrecimento”, cuja figuração evoca por contraste um passado cheio e idealizado, nos dizem de um contexto em que projetos violentos como os de embranquecimento, eurocentrismo alucinado e até de eugenia eram correntes e abertos, atravessando e orientando as ciências, o Estado e a educação. (12)

          Hoje nosso escritor teria acesso a dados muito mais precisos, e levaria um susto enorme ao acessar a base de dados colaborativa internacional slavevoyages.org e descobrir que, até o final do processo colonial, teriam desembarcado no Brasil algo em torno de 4,8 milhões de africanos, cerca de sete vezes mais do que os 750 mil portugueses que ficaram por aqui. Estima-se ainda, no século XVI, a presença de 2,43 milhões de índios no que é hoje o território brasileiro, número que, como se sabe, foi diminuindo brutalmente ao longo do tempo. (13)       Além disso, entre os africanos chegados, aproximadamente três quartos deles (3,6 milhões) haviam saído de portos na África central. Nos portos do sudeste em particular, os africanos centrais desembarcados chegam a mais de 95%.

          E é mesmo para a direção dos dados atuais que apontam esses textos de Mário. Ao visitar festas populares, o escritor nota alguma presença indígena na dança de Santa Cruz, em Carapicuíba, e muita presença negra no moçambique (de Santa Isabel e Mogi das Cruzes), na congada (de Mogi, Lindóia, Atibaia e Lambari), no samba rural, no choro urbano, na “música de feitiçaria”, entre outros. Se olharmos para seu conjunto de textos sobre música popular brasileira em geral, encontraremos muita tinta sobre características que o escritor suspeita derivarem da presença cultural africana no Brasil, o que leva o musicólogo Tiago de Oliveira Pinto a anotar uma importante diferença entre a abordagem de Mário e a de pesquisadores alemães que no início do século XX visitavam o Brasil curiosos em relação à “música autêntica” do país:

 

Mário de Andrade não conseguia entender por que os musicólogos alemães consideravam a música indígena como “autêntica música brasileira”. Em carta de 22 de junho de 1928, faz a seguinte proposta a [Marius] Schneider: “Lamento não poder fornecer mais do que algumas informações incompletas sobre a bibliografia musical dos índios do Brasil. Meu campo de pesquisa é bastante diferente, é limitado ao folclore e incluo uma monografia em que considero a influência dos negros da África no samba afro-brasileiro”. (14)

 

          A monografia anexada à carta era o texto “Samba Rural Paulista”, no qual o escritor elenca diversos pontos de contato entre o samba rural de São Paulo e práticas africanas que ele conhece em livros de, entre outros, Eric V. Hornbostel, Natalie C. Burlin, André Gide, Arthur Ramos, Manoel Quirino, Maud C. Hare e Stephen Chauvet. Ainda que muitos textos de Mário tenham formulações datadas e “construções unanimistas” de África (uma “falácia metonímica” bastante frequente na qual a parte [uma região ou característica] passa a representar a totalidade [a “África”] (15)       ), o trecho ilumina o pesquisador interessado que, marcando uma diferença em relação à inclinação “indianista” dos pesquisadores alemães, começa a perceber que a história cultural africana é um forte fundamento da música brasileira – e americana em geral. Em uma análise sobre as relações entre práticas musicais brasileiras e africanas, Oliveira Pinto afirma de modo categórico:

 

Mário de Andrade (...) foi pioneiro no entendimento da importância da história cultural africana no Brasil e na América através de suas expressões musicais. (16)

 

          Esse pioneirismo em relação à presença negra nas expressões musicais brasileiras impressiona se tivermos em mente que o ambiente no qual Mário buscava se inserir era dominado por ricaços que cultivavam abertamente ideias racistas, de supremacia branca e estratégias de embranquecimento da população. Leia-se como exemplo o editorial do jornal O Estado de São Paulo, assinado por Júlio de Mesquita Filho, a 15 de Novembro de 1925, aniversário da proclamação da república:

 

Promulgado o decreto de 13 de maio, entrou a circular no sistema arterial do nosso organismo político a massa impura e formidável de 2 milhões de negros, subitamente investidos das prerrogativas constitucionais. A esse afluxo repentino de toxinas, provocado pela subversão total do metabolismo político e econômico do país, haveria necessariamente de suceder grande transformação na consciência nacional que, de alerta e cheia de ardor cívico, passou a apresentar, quase sem transição, os mais alarmantes sintomas de decadência moral. (17)

 

          O mau gosto das formulações racistas em metáforas médicas e biológicas – já nem pasmamos mais – são do dono de um influente jornal que, junto à elite intelectual paulista, fundaria a Universidade de São Paulo. Ainda que circulasse nesse meio, Mário de Andrade encontrava mais interlocução no pensamento de intelectuais como, entre outros, Arthur Ramos e Roger Bastide, que partilhavam o interesse pela história cultural africana no Brasil. Bastide, ao enviar para Mário um exemplar do livro de sua autoria, Éléments de sociologie religieuse, escreve em dedicatória: “Ao grande romancista e africanista brasileiro Mário de Andrade”. (18)       O professor francês reconhecia assim o esforço do escritor brasileiro em contribuir para o debate sobre as presenças africanas nas Américas, que crescia também no Brasil durante as décadas de 1920/30. 

          Caberia supor que Mário de Andrade tenha tido essa sensibilidade por ter ele mesmo ascendência negra? Oswald de Andrade, ao conhecê-lo ainda como estudante do Conservatório Dramático Musical, descreve-o como “um aluno alto, mulato, de dentuça aberta e de óculos” (19)      , e seu biógrafo Eduardo Jardim esclarece que “seus traços mulatos tinham a ver com as duas avós, Ana Francisca, do lado materno, e Manoela Augusta, do paterno” (20)      . O próprio escritor afirma ter sido alvo do “possível insulto (...) – Negro!”, atrelado ao que chamou de uma “cor duvidosa”, embora, em um poema (21)      , afirmasse: 

De certo que essas cores também tecem minha roupa arlequinal, 

Mas eu não me sinto negro, mas eu não me sinto vermelho, 

Me sinto só branco, (...) só branco em minha alma crivada de raças! 

 

          Dado o contexto no qual Mário circulava, Oswald caprichava no bullying caso realmente tenha feito circular um artigo no qual chama o amigo de “boneca de piche”, unindo aqueles que se tornariam os principais tabus de sua biografia (22)      . Nunca mais retomariam a amizade. Não que a ascendência negra fosse o motivo da briga pois, ainda amigos, brincavam com isso em viagem a Minas Gerais. Como levantou seu biógrafo, o grupo de amigos modernistas registrava assim seus nomes no Hotel Macedo, em São João Del Rei:

 

Dona Olívia Guedes Penteado, solteira, photographer, anglaise, London. Dona Tarsila do Amaral, solteira, dentista, americana, Chicago. Dr. René Thiollier, casado, pianista, russo, Rio. Blaise Cendrars, solteiro, violinista, allemand, Berlin. Mário de Andrade, solteiro, fazendeiro, negro, Bahia. Oswald de Andrade Filho, solteiro, escrittore, suisso, Berne. Oswald de Andrade, viúvo, escolar, hollandez, Rotterdam. (23)

 

          A hipótese biográfica talvez possa contribuir para a possibilidade de que Mário pudesse sentir na pele a desqualificação da ideologia corrente no meio paulista, que entendia o negro como uma raça diferente da euro-americana (e pior) (24)      . Em seus últimos dias como diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, antes de ser demitido, Mário prepara uma conferência para o Cinquentenário da Abolição da Escravatura, realizado em 1938. Baseada em outros textos e estudos seus (em particular “A superstição da cor preta” e “Linha de cor”), o escritor afirma na conferência que o preconceito contra o negro derivava de uma “superstição primária e analfabeta de que a cor branca simboliza o Bem e a negra simboliza o Mal (...) se o branco renega o negro e o insulta, é por simples e primária superstição.” (25)       Embora o próprio escritor recaia por vezes em uma ideologia racialista, seus textos sobre racismo e “superstição da cor preta” apontam, por outro lado, para uma diferenciação que não é “natural”, (“não se trata de uma questão antropológica, nem da estupidez de um Gobineau ou de um ariano”) (26)       mas cultural, o que implica também uma outra perspectiva para a musicologia.

 

          Oliveira Pinto chama a atenção, ainda, que para Mário de Andrade

 

o estudo musicológico só poderia ser entendido adequadamente em conexão com outros domínios culturais, como a linguagem, a literatura, jogos e peças dramáticas, arte visual e o contexto sociocultural em constante mudança no Novo Mundo. (27)

 

          A contribuição dessa perspectiva é valiosa por incorporar, de modo orgânico à música, sua conexão com os outros domínios culturais – nesses textos sobre música paulista em especial, a conexão com a dança, o movimento, o corpo – se aproximando de modo mais apropriado à realidade das manifestações musicais brasileiras. Nelas, a narrativa musical está muitas vezes multiplicada pelo espaço gestual e pela dimensão festiva. Mário cria assim uma outra camada de compreensão, que se afasta do caminho euro-cristão de uma “música absoluta” (que privilegia a audição e tende a separar a música de sua relação com o corpo).

 

          Essa perspectiva guarda em si longo desenvolvimento: a possibilidade de projetar a expressão musical pelo prisma do corpo. No caso das presenças negras no Brasil, um corpo situado historicamente: na travessia forçada através do Atlântico o africano escravizado não podia levar nada consigo a não ser seu próprio corpo. Daí que esse corpo seja uma espécie de objetivo e limite mesmo do escravismo no Brasil: frente à arbitrariedade da escravidão e à tendência à dispersão de vínculos que acarreta, o corpo forçado ao trabalho carrega também a continuidade impossível de ser apagada: a expressão cultural através de uma certa qualidade de movimentos, ideias e, para o pesadelo do senhor de escravos, a possibilidade de revolta e fuga. Esses movimentos, ideias e possibilidades vão ser expressos e re-equacionados na realidade possível do “novo mundo”.

          Os próprios termos portugueses “música” e “dança” podem, de certo modo, ser relativizados se entendidos do ponto de vista das manifestações culturais brasileiras e sua episteme negra, visto que grande parte das línguas africanas tradicionais não têm uma palavra que corresponda suficientemente a “música” e “dança”, no modo europeu de entendê-las. De uma perspectiva africana, os termos seriam “especializados” demais. Kofi Agawu lembra, como exemplo, que “entre os tswana e os botswana, cantar e dançar são virtualmente considerados sinônimos”, (28)       e ainda, ser comum que nomes de instrumentos sejam os mesmos de gêneros musicais e danças. Bem dimensionado o grande número de africanos chegados no Brasil durante o período escravista e sua participação na música brasileira, talvez possamos identificar – na medida das nossas possibilidades – esse nexo nos textos de Mário, visto que em seu entendimento das danças paulistas, canto, movimento e devoção não estão separados, mas são imediatamente conectados no corpo dançante/musical/enfeitado/devoto (nexo que também pode ressoar em tradições indígenas). A tentativa de desmembrar os termos acabaria com a festa. Nesse sentido, sua abordagem se sofistica ao direcionar uma apreciação que considera contextos maiores e suas diversas dimensões, onde o musical é também imediatamente gestual, corpóreo, religioso e pedagógico, entre tantas coisas. No moçambique, o nome do “gênero musical” é também a dança e a nação diaspórica; a festa reforça fundamentos comunitários, incorporativos, que coordenam e afirmam a união, um caminho diverso daquele europeu, individualizado, virtuosístico e autoral. (29)

          É possível então “abrirmos” o texto de Mário nas próprias camadas que propõe, e nos aprofundarmos em algumas direções que de fato restam pouco exploradas nessas anotações de campo. Em relação aos instrumentos musicais, por exemplo, no texto sobre o moçambique de Santa Isabel poderíamos olhar mais de perto para o “Pernanguma, ou Prananguma”, ou ainda Patangome, entre outras variantes, instrumento feito normalmente de lata ou calotas de carro soldadas, que é tocado balançando-se de um lado para o outro, e que o escritor nunca tinha visto. Dá uma descrição em seu Dicionário Musical Brasileiro: “instrumento de percussão que conheci em Sta Isabel (São Paulo), composto duma lata chata, duns trinta centímetros de diâmetro com chumbos dentro, e duas alças externas em que o tocador segura para sacolejar o instrumento. Produz um chiado idêntico ao do ganzá, mais forte porém”. (30)       Também os “conguinhos” são descritos nas anotações sobre o moçambique apenas como “um pequeno caracaxá de lata”, preso à perna dos músicos/dançarinos. 

          Caso alguém busque ultrapassar essas definições sumárias e suas classificações de tipo dicionaresco, pode encontrar pistas do rico universo que aqueles instrumentos expressam e no qual estão inseridos. Os próprios nomes apontam com insistência para a carga semântica, cultural e histórica que carregam: moçambique, conguinho, patangome e caracaxá – cultura centro-africana re-equacionada no sudeste. Moçambique e Congo, nomes de países africanos e de nações diaspóricas no Brasil; caracaxá que, segundo Valente de Matos e Nei Lopes, é como o povo chirima (subgrupo dos macuas de Moçambique), chama um de seus chocalhos, sendo uma palavra especificamente africana oriental; (31)      patangome, prananguma ou pernanguma, termos derivados do polissêmico -ngoma, palavra falada por diversos povos da região central da África, variando significados entre tambor, dança, “dança de base comunal”, um certo ritual ou mesmo uma dança específica – algo que pulsa, que organiza uma pulsação compartilhada. (32)

          O pesquisador Antonio José do Espírito Santo, mais recentemente, fez brilhantes formulações nesse sentido ao apontar o possível parentesco entre o patangome brasileiro e o “chocalho de junco Chiquitsi, exclusivo das regiões moçambicanas do Inhambane, Maputo, Gaza, Niassa”. (33)       O pesquisador afirma: “sempre intuí ser o Chiquitsi o ancestral lógico do Patangoma (nome kimbundo-umbundo) dos ternos de moçambique tradicionais atuais de Minas Gerais, apesar da forma diferente”. Dessa intuição, apresenta como “prova cabal” um desenho de François-Renè Moreaux que retrata no Rio de Janeiro do século XIX um “misterioso grupo de africanos, seguramente composto – pasmem – por moçambicanos recém chegados, numa época determinada entre 1840/1860”. (34)       Edward Alpers afirma que o tráfico de escravizados partidos de portos da África oriental “explica a presença de uma dança folclórica chamada ‘moçambique’, intimamente associada ao Dia de São Benedito (1524-89, beatificado em 1763), em São Paulo, onde parece ter surgido, depois se difundindo para Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Rio Grande do Sul”. (35)       Desse ponto de vista, tanto o pantangome (prananguma) quanto o gunga (conguinhos, ou paiá) são expressões da imaginação centro-africana, re-equacionada nas possibilidades materiais e tecnologias locais. São instrumentos que pulsam um certo universo semântico-cultural, presente no corpo e na mente daqueles que foram forçados a atravessar o Atlântico. 

 

          Mitchell Strumpf (36)      afirma que o nome “Chiquitsi” é a variante usada em Moçambique, “nas províncias do sul e kaembe em vários distritos de Tete” de um instrumento descrito como uma caixa retangular estreita feita de junco e recheada com pequenas sementes. Segundo o pesquisador, algumas variações e diferentes nomes para o mesmo instrumento são comuns em diversas áreas da África Oriental e Central: “no Malawi, eles aparecem em áreas onde há danças de homens”. Outra variante é o chisekese, (37)       instrumento/dança que Gerhard Kubik também encontra na África oriental:

 

Chocalhos de junco eram conhecidos em Nyasaland (Malawi) antes do surgimento desse gênero específico de dança. São amplamente distribuídos na África Oriental, em Uganda (Trowell e Waschsmann, 1953) e na Tanzânia (cf. as fotografias de Thomas Maler de uma cerimônia de cura entre os Digo no Distrito de Tanga (Simon 1982). (...) Na construção do instrumento, vários caules são firmemente unidos e trançados em torno de três varetas transversais, cada uma com cerca de um centímetro de espessura, de qualquer tipo de madeira. O espaço oco é então preenchido com pequenos grãos (...) Em uma performance de dança visekese, as mulheres sentam-se com os chocalhos formando um círculo. O chocalho é tocado balançando-o de lado em um movimento direita-esquerda, de uma mão para a outra, com as duas mãos segurando firmemente, exceto as pontas dos polegares, que ficam livres para tocar a superfície do instrumento, alternadamente. A organização do padrão tocado é um ritmo cruzado, combinando um padrão binário (balanço lateral) com um ternário (tocado pelo polegar). (38)

 

          Em outro estudo, Kubik busca uma descrição mais ligada ao modo africano de conceber esse instrumento, localizando a classificação organológica segundo seus criadores. Dá crédito a Paul van Thiel como pesquisador ocidental pioneiro em relatar a taxonomia da produção sonora em língua Runyankore, falada em Uganda. Van Thiel informa que o verbo okuteera, que inclui “bater”, “golpear”, é usado para a maioria dos instrumentos, incluindo tambores, instrumentos de cordas e de sopro; (39) okugambisa, traduzido por “fazer alguma coisa cantar”, é usado para chocalhos, exceto um: o rugaaniira, um chocalho de junco balançado de um lado para o outro, cujo verbo de performance é okushungura, peneirar. Van Thiel afirma que “a performance é intimamente relacionada a movimentos de alguém que peneira”. Kubik anota a correspondência desse verbo no campo da produção sonora com okukuba em Luganda, kupiga em Kiswahili e kuhunga, em línguas do leste de Angola. Para esses pesquisadores, entre povos da África central a ação de peneirar – e o verbo que a descreve – se tornou a referência para a performance desse tipo de chocalho, que no Brasil foi reconfigurado com os nomes de patangome, prananguma, pernanguma etc. Sua performance está conectada ao movimento corporal, à ação de peneirar e sua ligação ao trabalho, à alimentação e à fertilidade.

          Antonio José do Espírito Santo aponta, ainda no desenho de Moreaux, que os músicos “usam também chocalhos roliços, cilíndricos, nas pernas, exatamente como os grupos de moçambiques de MG mais tradicionais usam até hoje (paiás)”. (40)       São os “conguinhos” anotados por Mário de Andrade ao acompanhar o moçambique. Mário, entretanto, parece não ter notado a relação entre os conguinhos e os “gungas”, mesmo tendo preparado um verbete sobre o termo para seu Dicionário Musical Brasileiro, dando inclusive como origem a palavra ngunga, “sino no dialeto ambundo (Angola)”. (41)       Nesse caso, o nexo também está pouco desenvolvido, visto que os “conguinhos”, ou gungas, parecem ter papel central no argumento do texto de Mário. No modo como o instrumento é concebido, o gesto dançante e a produção sonora musical não se diferenciam, são imediatamente conexos. Como escreveu Glaura Lucas, “as gungas representam a fusão do som e da dança”. (42)       A pesquisadora lembra um trecho de fala do Capitão Mário Brás da Luz (transcrito por Núbia Gomes e Edmilson Pereira):

 

No tempo dos antigo, da escravidão, nós tinha que usá uns chocaio nas perna, pra num fugi. Porque se fugisse, baruiava os chucaio e os feitô pegava nós. E ia prum tal de tronco, apanhá. Agora as gunga é por causa disso, pra num esquecê. Mas é um baruio santo, igual dos sinin da igreja na hora de comungá. (43)

 

          Nessa fala, de beleza triste e complexa, diversos tempos, planos e dimensões estão presentes: a conexão de um certo som com o movimento, sua absurda apropriação violenta pela realidade escravista brasileira, (44)      o timbre das gungas como rememoração dessa violência e estratégia de evitá-la, significando ao mesmo tempo algo sagrado, de fé comunitária católica, a presença de um catolicismo popular, negro. São algumas das várias transformações do ngunga no Brasil, o sino de ferro, de importância multi-milenar na cultura africana. Para arqueólogos, (45)      a presença do ferro e de sinos musicais em escavações realizadas na África revela importantes questões tecnológicas, militares e políticas: identificam uma “idade do ferro”, a possibilidade de domínio da metalurgia por povos que portanto sabiam forjar e soldar chapas, produzir instrumentos para o desenvolvimento da agricultura e armamentos para a guerra. Sinos e seus sons de ferro eram usados, por exemplo, no antigo reino do Kongo para sinalização entre unidades do exército; entre os Mbuun os sinos só podiam pertencer a guerreiros; entre os temidos guerreiros Jagas, da África central, o sino de ferro lunga é também um instrumento militar e sua principal insígnia, sem o qual não podem ser Jagas (segundo o missionário Giovanni Cavazzi, os lunga dos Jaga eram forjados com sangue humano, e os guerreiros acreditavam que esses instrumentos possuíam, “quando tocados em batalha (dizem eles), uma grande capacidade de torná-los corajosos e invencíveis”). Sinos de ferro soavam em rituais fúnebres de reis, no elogio de chefes, para fazer música, para enviar mensagens “melódicas” (assim como os tambores falantes). 

          Cécile Fromont (46)       lembra que ter a tecnologia de fundir ferro era um atributo dos nobres e característica das elites, sendo um poderoso topos na África Central em geral. Descreve o sino de ferro como um instrumento real e militar, localizando em diversas fontes históricas o forte vínculo existente entre ferro e poder, derivado de associações mitológicas, sendo o ferro capaz de facilitar a conexão com forças metafísicas e religiosas. Além de forjar, o ferreiro poderia exercer funções curativas, rituais e judiciais mediadas pelo ferro. Lembra a história de Lukeni, que “além de ser um guerreiro talentoso, tornou-se ‘um ferreiro sagaz e astuto’. (...) As imagens do rei ferreiro e do rei conquistador funcionavam juntas como dois aspectos complementares do poder real: conciliação e força”. (47)       Também Angola Mussuri, o “primeiro rei do Ndongo”, é descrito pelo missionário Cavazzi forjando armas e ferramentas, e Ogum, o fundador de Ifé, é o orixá ferreiro, senhor do ferro, da guerra e da agricultura. Os sinos de ferro estão entre os instrumentos atribuídos à África tradicional, ao contrário de instrumentos considerados de origem estrangeira como xilofones, violinos de uma corda e tambores em forma de ampulheta.

          Outra dimensão da fala do Capitão Mário Brás da Luz é o som do sino no contexto cristão e local, um “baruio santo, igual dos sinin da igreja na hora de comungá”: o timbre do sino e toda a sua significação africana milenar está mesclado a temas do cristianismo. Embora diversos discursos apontem para a cooptação do africano pela igreja cristã (“a instituição mais potente para erodir, diluir e destruir simbolicamente muitas práticas tradicionais africanas” (48)      ), diversos estudos recentes (como o de Fromont) descrevem a formação de um “cristianismo Kongo”, formado na África central nos idos do século XV, a partir do contato continuado com os portugueses. Nesse momento “o cristianismo entrou no reino político, social e religioso do reino do Congo, a pedido de seus próprios governantes, sem coerção estrangeira, e estabeleceu-se uma relação duradoura entre europeus e africanos centrais sem colonização”. Nesse interessante “espaço de correlação”, conjuntos diferentes de ideias metafísicas, formas plásticas e sistemas políticos coincidiram, convergiram e se sobrepuseram, gerando dinâmicas de mescla entre dispositivos poderosos de história e culturas diferentes. A cruz é descrita por Fromont como elemento fundamental no processo de redefinição de tradições religiosas centro-africanas e euro-cristãs em solo africano, que convergem e passam a gerar formas comuns. Em ambas as tradições a cruz simboliza a passagem entre a vida e a morte – no sacrifício/ressurreição de cristo e no ciclo de vida e morte representado no cosmograma congo. (49)       É essa coincidência fundamental que permitiu uma fluidez entre histórias religiosas diversas em símbolos únicos. Quando os portugueses chegaram na África central com suas cruzes, elas não eram estranhas aos que ali habitavam e puderam, pelo contrário, ser interpretadas através de crenças metafísicas já existentes: 

 

A cruz permitiu que europeus e africanos centrais distinguissem e reconhecessem concepções compartilhadas sobre forças sobrenaturais invisíveis, crenças comuns na possibilidade de se comunicar com o outro mundo e uma compreensão mútua da imanência. Como um espaço de correlação, a cruz expressou uma nova cosmovisão em que ideias locais e estrangeiras, velhas e novas se encontraram e se misturaram. (50)

 

          Se a cruz simboliza um ponto no qual o mundo terreno se conecta ao metafísico – vida e morte, visível e invisível, aqui e além – sua exaltação pode responder tanto a religiosidades tradicionais europeias quanto centro-africanas: entre crucifixos, encruzilhadas e pontos riscados. Mário anota a letra de um canto do Moçambique: “Chegai, pecador contriste/ Pra bejá a Santa Crúiz!”. Poderia a Santa Cruz das danças paulistas, em Carapicuíba e Santa Isabel, carregar também esse sentido religioso ambíguo? 

          Na direção das ambiguidades cruzadas, além das referências diretas à cruz cristã, há em moçambiques e congadas do sudeste uma estrutura musical particularmente ligada à imaginação musical africana: o cross-rhythm, ou “ritmo cruzado” (mencionado por Kubik em sua descrição do visekese, na combinação de padrões binários e ternários, o que alguns músicos também chamam de ‘três contra dois’”). Mário de Andrade descreve essa estrutura em uma coreografia do moçambique de Santa Isabel, a “mais numerosamente repetida”, que também 

 

é a mais dificil por contradizer muito o movimento natural do compasso binario. Se observará, com efeito, que o dansarino executa um manejo que exige tres tempos inteiros pra se completar – o que faz com que só depois de tres repetições da melodia completa, isto é, só depois de 24 compassos, êle se encontre no movimento coreografico-melodico inicial! (...) Assim, em vez dum número par de tempos de compasso, foram necessarios tres tempos.

 

          Essa estrutura cruzada, de três contra dois, tem presença forte e disseminada em culturas musicais africanas. A inteligência desse tipo de estrutura (por vezes chamada de “polirrítmica” ou “polifônica”) envolve, para David Locke, uma qualidade perceptiva e cognitiva plural: a capacidade de pensar em 2 e 3 “ao mesmo tempo”. Exprime uma qualidade social

 

capaz de gerar uma experiência afetiva transformadora no conhecimento dos ouvintes. Esse estilo musical pode reforçar uma visão de mundo que aceita o paradoxo – por exemplo, que uma singularidade pode ser uma pluralidade – e encontra unidade em aparentes oposições – por exemplo, entre o visível e o invisível, ou a equivalência de dois e três. (51)

 

          Nesse caminho, a estrutura musical cruzada, característica do contexto música/dança participativa, é comum em diversas tradições africanas de artes performáticas “nas quais a música é coerente em diferentes perspectivas auditivas e cinestésicas, ao mesmo tempo”. A estrutura musical construída com componentes cruzados, na qual a percepção do tempo e do espaço é multifacetada, convida o ouvinte a participar ativamente da música através da possibilidade de perceber as diferentes “medidas” que formam o todo.

          Será possível que o moçambique e a dança de Santa Cruz tenham também, em terras brasileiras, esse tipo de identidade cruzada? Em que medida as práticas musicais do interior de São Paulo expressam concepções de tempo, história, estruturas da linguagem, princípios polifônicos, timbrísticos, performáticos, discursivos e complementares que pulsam de imaginações africanas, europeias e indígenas? Lasciva dor, beijo de três saudades: onde elas se amalgamam, onde se repelem? 

Notas:

(1) Martius, Karl Friedrich Philipp. Como se deve escrever a História do Brasil.  (VOLTAR)

(2) Mariz, Vasco. História da música no Brasil, pg. 25. (VOLTAR)

(3) No poema “Música brasileira”, publicada no livro Tarde [1919].  (VOLTAR)

(4) Cascudo, L. C. in Romero, S. “Prefácio” in Folclore Brasileiro: Cantos Populares do Brasil. (VOLTAR)

(5) Mariano e Caçula, “Moda do Pião” [1929]. (VOLTAR)

(6) Conferir Valentini, Luísa. Um laboratório de antropologia: o encontro entre Mário de Andrade, Dina Dreyfus e Claude Lévi-Strauss: 1935-1938(VOLTAR)

(7“As congadas de Atibaia”, Arquivo Mário de Andrade, IEB-USP. (VOLTAR)

(8Andrade, Mário de. Ensaio sobre música brasileira, [1928] pg. 20. (VOLTAR)

(9Esses textos foram editados por Oneyda Alvarenga e publicados em Danças dramáticas do Brasil 3º tomo (Itatiaia, 1982) e As melodias do boi e outras peças (Duas Cidades, 1987). (VOLTAR)

(10Ver Valentini, Luísa. “Nos 'arredores' e na 'capital': as pesquisas da Sociedade de Etnografia e Folclore (1937-1939)”. (VOLTAR)

(11Andrade, Mário de. “O movimento modernista”, Aspectos da Literatura brasileira, p. 241. (VOLTAR)

(12Isso certamente tem algo a nos ensinar, especialmente num momento em que os próprios praticantes de manifestações tradicionais reativam as ideias de perda e desaparecimento para falar dos riscos e agressões cotidianamente enfrentados, e que são motivados por paradigmas cujos efeitos destrutivos eles conhecem bem. (VOLTAR)

(13Esses números foram reunidos por Alencastro no texto “África: números do tráfico atlântico”, baseado no Slave Trade Database (para africanos desembarcados no Brasil), em John Hemming (para indígenas, no livro The red gold) e em suas próprias pesquisas para portugueses. Em Schwarcz, Lilia e Gomes, Flávio dos Santos (Orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos, 2018. É claro que precisamos considerar que a mortalidade indígena aumenta muito, enquanto o número de africanos desembarcados cresce durante todo o período colonial, e o de imigrantes europeus cresce muito após a extinção do tráfico de africanos. (VOLTAR)

(14Oliveira Pinto e Ribeiro. “The ideia of modernismo brasileiro”. A carta de Mário é, na verdade, de 1938, visto que o texto “Samba Rural Paulista” é de 1937. (VOLTAR)

(15Prática criticada, entre outros, pelo filósofo Paulin Hountondji e mencionada pelo musicólogo Kofi Agawu em The african imagination on music(VOLTAR)

(16Oliveira Pinto, Tiago de. “Crossed Rhythms: African Structures, Brazilian Practices, and Afro-Brazilian Meanings” p. 167. (VOLTAR)

(17“A crise nacional”, O Estado de São Paulo, 15/11/1925. (VOLTAR)

(18A relação de Mário com os estudos africanistas, a partir dessa dedicatória, é analisada por Ligia Fonseca Ferreira em “Mário de Andrade, africanista”, em Andrade, Mário,  Aspectos do folclore brasileiro(VOLTAR)

(19Andrade, Oswald de. Um Homem sem profissão, p.105. (VOLTAR)

(20Jardim, Eduardo. Eu sou trezentos: vida e obra(VOLTAR)

(21Transcrito também em Camargo, Oswaldo de. Negro Drama Ao Redor da Cor Duvidosa de Mário de Andrade(VOLTAR)

(22“Dizem que há um artigo de Oswald, terrível, chamado Boneca de Piche, em que ele diz que no Mário de Andrade conviviam um mulato, um padre, um hipócrita, uma coisa assim, não me lembro bem como é, mas era uma coisa altamente ofensiva, e que isto foi lido pelo Mário à saída de um jantar que ele tivera com o Oswald. Mas essas coisas eu jamais consegui apurar.” Depoimento de Mário da Silva Brito em Lopez, Telê Porto Ancona (Org.). Eu sou trezentos, eu sou trezentos e cincoenta: Mário de Andrade visto pelos seus contemporâneos, p. 121-132.  (VOLTAR)

(23) Jardim, Eduardo. Eu sou trezentos: vida e obra  (VOLTAR)

(24) Ligia Fonseca Ferreira, no artigo citado, acredita que a ascendência negra está entre as razões do escritor para ter se inserido em uma rede de estudos africanistas. Cf. “Mário de Andrade, africanista”, p. 198.  (VOLTAR)

(25Andrade, Mário de. “Cinquentenário da abolição”, em Aspectos do folclore brasileiro.  (VOLTAR)

(26Idem  (VOLTAR)

(27Oliveira Pinto, Tiago de. “Crossed Rhythms: African Structures, Brazilian Practices, and Afro-Brazilian Meanings”, p. 167.  (VOLTAR)

(28Agawu, Kofi. The Afican imagination on music.  (VOLTAR)

(29Características da imaginação africana, entre outros, em Kofi Agawu e diferenças entre concepções europeias e africanas de indivíduo e grupo em Joseph Miller, “Restauração, reinvenção e recordação: recuperando identidades sob a escravização na África e face à escravidão no Brasil”.  (VOLTAR)

(30Andrade, Mário. Dicionário Musical Brasileiro, p. 394.  (VOLTAR)

(31Lopes, Nei. Enciclopédia brasileira da diáspora africana e Novo Dicionário Banto do Brasil.  (VOLTAR)

(32Kubik, Gerhard. Theory of African Music, Vol. 2, p. 9.  (VOLTAR)

(33Espírito Santo, Antonio José do. “ ‘…Candombe, Candombe vamo viajá!..Êh Angoma!’ Les Danses de Négres du Brésil et sa mimésis”, artigo disponível em https://spiritosanto.wordpress.com, acesso em 23/08/2019.  (VOLTAR)

(34Idem.  (VOLTAR)

(35Alpers, Edward “Africanos orientais”. Dicionário da escravidão e liberdade, p. 91. (VOLTAR)

(36Strumpf, Mitchell. “Some music traditions of Malawi”.  (VOLTAR)

(37Instrumento tocado por mulheres Tumbuka, que é também o nome da dança e da celebração realizada durante a estação seca, na qual diferentes grupos competem entre si e incluem até funções de partidos políticos. (VOLTAR)

(38Kubik, Gerhard. Jazz Transatlantic, Volume I: The African Undercurrent in Twentieth-Century Jazz Culture. (VOLTAR)

(39Em diversas línguas bantu, instrumentos são “batidos”, “golpeados” ou “cantados”. No Brasil podemos reconhecer em termos como “bater um zabumba”, “bater um pandeiro”. Conferir também Kubik, Gerhard, “The emics of african music”. (VOLTAR)

(40Espírito Santo, Antonio José. “ ‘…Candombe, Candombe vamo viajá!..Êh Angoma!’ Les Danses de Négres du Brésil et sa mimésis”. Nei Lopes localiza a origem de “paia” no umbundo, com sentido de “pedalar”. (VOLTAR)

(41Andrade, Mário de. Dicionário Musical Brasileiro p. 252. Mário de Andrade foi impreciso aqui, pois os ambundos não são um dialeto, mas os falantes de Quimbundo, que ocupam a região central de Angola e Luanda, nos limites do antigo reino de Ndongo. O termo é o mesmo entre os falantes de Quicongo e Umbundo, também numerosos na região de Angola, cf. Sleenes, Robert. “Africanos centrais”, in Dicionário da Escravidão e da Liberdade. Conferir também Byrd, Steven. Calunga and the Legacy of an African Language in Brazil, p. 131. (VOLTAR)

(42Lucas, Glaura. Os sons do Rosário p. 92. (VOLTAR)

(43Gomes, Núbia, Pereira, Edmilson. Negras raízes mineiras: os Arturos(VOLTAR)

(44Machado de Assis descreve algo desses instrumentos na terrível abertura de seu conto “Pai contra Mãe”: o ferro ao pescoço, o ferro ao pé e a máscara de folha-de-flandres: “O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado”. (VOLTAR)

(45Vansina, Jan. “The bells of the Kings”. (VOLTAR)

(46Fromont, Cécile. The art of conversion: Christian visual culture in the Kingdom of Kongo(VOLTAR)

(47Idem. (VOLTAR)

(48Agawu, Kofi. The Afican imagination on music(VOLTAR)

(49Para o cosmograma congo, conferir, entre outros, Fu-Kiau Bunseki, Robert Farris Thompson e Wyatt MacGaffey. (VOLTAR)

(50) Fromont, Cécile. The art of conversion: Christian visual culture in the Kingdom of Kongo(VOLTAR)

(51Locke, David. “Simultaneous multidimensionality in african music: musical cubism”. (VOLTAR)

 

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Vansina, Jan. “The bells of kings.” The Journal of African History, v. 10 nº 2, 1969.

Nota 12B
Nota 13B
Nota 14B
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